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CGU vê caneleiras superfaturadas, contêineres corroídos e empresas inexistentes em programa de R$ 45 milhões do ex-jogador Léo Moura

Investigação

Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) encontrou material esportivo superfaturado, infraestrutura corroída e problemas de comprovação de serviços em um projeto do ex-jogador de futebol Leo Moura, que recebeu R$ 45 milhões em dinheiro público entre 2020 e 2022.

Entre junho de 2020 e abril de 2022, o Instituto Leo Moura Sports (ILM) — uma organização não governamental (ONG) — recebeu aproximadamente R$ 45 milhões em repasses da Secretaria Especial do Esporte, à época parte do Ministério da Cidadania.


Segundo a CGU, o dinheiro foi destinado à implantação e desenvolvimentos de núcleos do projeto "Passaporte para a Vitória" em cidades do Rio de Janeiro, Amapá, Pará e Acre.

Criado em 2016, o ILM realiza o projeto instalando escolinhas de futebol nos municípios, incluindo a contratação de profissionais e compra de material esportivo.

Dos dezesseis termos de fomento (mecanismo utilizado para o repasse dos recursos) em vigor com o ILM no período, a CGU focou sua análise em quatro deles.

Esses quatro termos permitiriam a implantação do projeto em 32 cidades fluminenses e 20 no Amapá, que juntos custaram R$ 25,2 milhões.

Os auditores compararam os preços praticados nas compras feitas pelo ILM com orçamentos aprovados pelo Ministério das Cidades para serviços e materiais equivalentes.

Ao todo, a CGU constatou superfaturamentos de:

R$ 778,9 mil em aquisição de materiais, locações e contratações de serviços;

R$ 1,91 milhão em não comprovação dos quantitativos dos itens e das prestações de serviços.

Dinheiro de emendas

Por conta dos problemas, a CGU recomendou ao Ministério do Esporte que:

suspendesse pagamentos relativos aos projetos e cobrasse do Instituto Leo Moura Sports (ILM) R$ 2,7 milhões "em decorrência de superfaturamento";

identificasse em todos os termos de fomento celebrados com o ILM os itens em que foi constatado o sobrepreço para obter ressarcimento;

abrisse processo administrativo para avaliar o descumprimento dos planos de trabalho.

"Concluiu-se que houve fragilidades nos procedimentos de concessão dos recursos e no acompanhamento da execução dos termos de fomento (...), irregularidades na contratação e na execução, pelo ILM, dos objetos dos quatro termos analisados, resultando em sobrepreço (SO) e superfaturamento (SF)", diz o relatório publicado nesta segunda-feira (26) pelo órgão de controle.

Em manifestação enviada à CGU durante o processo de auditoria, o Ministério do Esporte destacou que parte das críticas feitas pelos auditores estão fora do controle da pasta devido à origem do dinheiro, já que os R$ 45 milhões do programa são oriundos de emendas parlamentares.

"O próprio Poder Legislativo indica a entidade recebedora dos recursos e o montante financeiro", diz o Ministério na resposta.

"Há imposição de execução preenchidos requisitos, sem que exista impedimento legal", completa a pasta.

Sobre a falta de verificação mais detalhada sobre as metas dos projetos e a capacidade da ONG de realizar as ações, o Ministério respondeu à CGU que "não se vislumbra a avaliação técnica in loco, na fase de celebração, das entidades indicadas pelo parlamento, além disso, s eria um procedimento oneroso para a Administração Pública, e de difícil realização, tento em vista número reduzido de agentes públicos vinculados a esta pasta da administração."

Caneleiras com sobrepreço

Parte da auditoria envolveu analisar as compras feitas pelo Instituto para o projeto, que foi feita com base em "preços inconsistentes".

A pesquisa de preços acabou levando em conta apenas um valor de cotação e com características diferentes entre o pesquisado e o realmente adquirido.

Como resultado, diz a CGU, em oito dos itens os valores das compras feitas ficaram acima da mediana verificada pela própria auditoria.

Um exemplo são as caneleiras de proteção, compradas pelo programa por R$ 46,80 a unidade – quase 90% acima do identificado como valor de mercado pelos auditores, de R$ 24,90.

Como só nos contratos analisados foram adquiridas 27.375 unidades, a CGU concluiu que houve "sobrepreço potencial de R$ 599.512,00".

Outro item mencionado no relatório são os pares de chuteiras de futebol de campo, cujo valor de mercado – segundo os auditores – era de R$ 63.

O ILM, no entanto, comprou mais de 27,3 mil pares, levando a um sobrepreço potencial de R$ 711,7 mil.

Em um item de menor quantidade, a balança de bioimpedância, o preço de referência utilizado pela CGU era de R$ 97,08, mas as 80 unidades adquiridas pelo programa saíram por R$ 320,50 a unidade, quase quatro vezes maior que o valor de mercado calculado pela auditoria.

"O sobrepreço apurado decorreu da contratação dos itens com preços acima dos praticados pela Administração Pública e pelo mercado de varejo, resultante de indicativo de manipulações/falsificações nos orçamentos dos fornecedores pelo convenente (ILM) e em falhas e omissões pelo Órgão concedente (MC) na aprovação dos orçamentos propostos e na formalização dos preços contratados pelos termos de fomento", diz o relatório.

Empresa da licitação ficava em hospital

Ao analisar as cotações de preços para as compras, os auditores descobriram que empresas participantes das disputas não existiam ou não estavam no local informado e, em alguns casos, não reconheciam nem confirmavam as propostas apresentadas pelo ILM como sendo delas.

Em um endereço apresentado como sendo de uma empresa que apresentou propostas para licitações entre 2020 e 2022, o que funcionava no local desde 2019 era um órgão burocrático de um hospital.

Em outra, no Amapá, a filial da empresa (criada no mesmo ano do começo do projeto) ficava no mesmo endereço da Federação Amapaense de Futebol – "cuja razão social", diz a CGU, "é de uma colaboradora contratada pela ILM e cujo e-mail seria do coordenador" do programa executado no estado.

Os problemas identificados, incluindo a falta de divulgação ampla dos editais de contratação, levaram a CGU a afirmar que "não houve legalidade e economicidade nas contratações de fornecedores dos termos de fomento analisados."


Fonte: G1 

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